imagem: rogério pinto

18.5.08

Lygia Clark e Maurice Merleau-Ponty: uma costura (Parte 3 de 3)


O tempo passado, no Caminhando, tem a característica da “redescoberta” do ato, e o tempo futuro vem das escolhas e da continuidade do gesto. Mas essas duas esferas temporais não estão dissociadas do presente, muito pelo contrário, elas só se dão no presente e só são possíveis através da experiência que é plena e incompleta ao mesmo tempo, porque lhe é característico permanecer aberta.
Tanto Lygia quanto Merleau-Ponty, cada um a sua maneira, propunham que “o caminho se faz ao caminhar”, por isso, as relações eram constantemente construídas e transformadas, como ilustram tão brilhantemente os versos de Antonio Machado:


Caminante son tus huellas

el camino, y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

Y al volver la vista atrás

Se vela senda que nunca

Se ha de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,

Sino estelas en la mar.[1]

Se não há caminho, pois este deve ser traçado a cada passo, o grande destino a ser atingido é o da experimentação, pois os “passos” é que são fundamentais para a jornada e não o local que se precisaria alcançar. Mais do que isso, os passos desaparecem logo após serem dados, exaltando com isso a relevância do presente, os versos nos orientam e aconselham: “caminhante” se não há caminho entregue-se à caminhada, entregue-se à experiência e atribua a cada passo uma importância ímpar, pois este jamais poderá ser dado novamente.
Não estou com isso querendo negar os pressupostos históricos que sustentam Lygia Clark e Maurice Merleau-Ponty, mas apenas me aproximando dos fundamentos destas obras, que viam na experimentação seus embasamentos e, no processo, um momento mais importante do que o trabalho acabado, uma vez que, ele já era o próprio trabalho. Conforme as palavras de Ponty:


Se a fenomenologia foi um movimento antes de ser uma doutrina ou um sistema, isso não é nem acaso nem impostura. Ela é laboriosa como a obra de Balzac, de Proust, de Valéry ou de Cézanne – pelo mesmo gênero de atenção e de admiração, pela mesma exigência de consciência, pela mesma vontade de apreender o sentido do mundo ou da história em estado nascente.[2]

Merleau-Ponty compara a construção da filosofia fenomenológica à construção das obras de arte. É uma edificação do pensamento, que, por tentar apreender o mundo e não teorizar sobre ele, necessita de uma atenção especial, que nunca se distancia de seu “objeto” de estudo. Contraria-se assim os pressupostos que pregam que o pesquisador e/ou o teórico deve se manter o mais distante possível de seu “objeto” de estudo, a fim de que se conserve uma suposta e pretensa neutralidade científica, a qual, para Ponty, não há como existir.


Pela primeira vez a meditação do filósofo é consciente o bastante para não realizar no mundo e antes dela os seus próprios resultados. (...) O mundo fenomenológico não é explicitação de um ser prévio, mas a fundação do ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia mas, assim como a arte, é a realização de uma verdade.[3]

Esta neutralidade, também é exigida, de certo modo, com relação às obras de arte, mas Lygia faz questão de negá-la. Quebrando os limites tanto da obra como dos espaços expositivos, Lygia rompe com as distâncias exigidas pelo mundo da arte, tanto quanto Ponty quebra com as distâncias do mundo acadêmico.
Assim sendo é a condição de ser-no-mundo que fundam os trabalhos de Lygia Clark e Merleau-Ponty.


[1] MACHADO, Antonio. Poesias escogidas. Madrid: Aguilar, 1958, p. 254.
[2] MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. op. Cit., p. 20.
[3] Idem. p. 18 e 19.

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