imagem: rogério pinto

19.3.09

O Caleidoscópio de Flávio de Carvalho


Flávio de Carvalho - O artista total, de Rui Moreira Leite



Flávio de Carvalho (1899-1973) foi um visionário, um desbravador de caminhos. Múltiplo: expressionista, dadaísta, surrealista, artista conceitual (antes mesmo de o termo existir). Sempre na contracorrente. Na orelha do livro, assinada pelo também pioneiro e visionário artista Eduardo Kac, ele indaga: Um homem que viveu plenamente o seu tempo, ou um artista que desafiou as convenções do presente e criou o futuro da arte? E concluiu que Flávio foi ambos.
Mas aqui importa dizer que ao reunir todas essas características no presente livro, o autor Rui Moreira Leite nos revela a qualidade assombrosa da obra de Flávio de Carvalho e nos pede para olhá-la como num caleidoscópio: as diversas faces do artista formam uma imagem total num arranjo simétrico e cheio de beleza. Moreira Leite mergulha na obra de Flávio e nos entrega o resultado de um estudo sério, feito com rigor e, ao mesmo tempo, delicioso de se ler. Apresenta um panorama histórico e conceitual da obra do modernista. E vai do Flávio arquiteto, passando pelo pintor, desenhista, aquarelista, pelo artista dos eventos e das ações, como em Experiência no. 2, em 1931, ( ao caminhar com boné no sentido contrário a uma procissão de Corpus Christi), o que o artista chamou de experimento de psicologia das multidões, e continua: fala do Flávio agitador cultural, do escritor, do cenógrafo, do criador do teatro da experiência, do pesquisador (interessado em psicanálise e etnologia), do criador do traje de verão masculino. Enfim, a obra de Moreira Leite investiga o artista de maneira precisa; do ilustrador de periódicos em 1920 à figura central do meio artístico paulista em que Flávio se tornou nos anos seguintes.


Ainda é importante dizer que em meados de 1930, Flávio de Carvalho integrou o grupo antropofágico de Oswald de Andrade. Na década de 1960, foi procurado pelos artistas do Grupo Rex (Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, entre outros), e pela geração da Tropicália. Não há como deixar de aproximar o artista carioca Hélio Oiticica de Flávio de Carvalho que, assim como ele, tinha ousadia e não-adequação aos padrões artísticos e institucionais vigentes. O legado de Flávio de Carvalho vai além, e chega até os nossos dias influenciando as manifestações artísticas contemporâneas, no que diz respeito à experimentação e a aproximação da relação arte e vida. Isso apenas para citar algumas das marcas deixadas por Flávio de Carvalho em nossa cultura.
Alguns dos seus projetos que propunham mudanças no comportamento da humanidade, como em suas Experiências, não chegaram a atingir objetivo transformador na consciência dos espectadores. No entanto, não há dúvida de que, como no poema “O artista Inconfessável”, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto: “(...) entre fazer e não fazer/ mais vale o inútil do fazer./ Mas não, fazer para esquecer/ que é inútil: nunca o esquecer./” E, certamente, esta é uma das contribuições preciosas deste trabalho; o de trazer para o tempo presente a obra desse artista total e revelar que ela ainda está provocando e nos tirando do lugar comum.
O livro de Rui Moreira Leite deve ser saudado com entusiasmo, pois nos faz compreender que essa turbulência mental e criativa de Flávio de Carvalho e suas atitudes provocadoras criaram uma obra caleidoscópica, única, das mais importantes e influentes dentro da cultura brasileira, para o seu tempo e para os dias de hoje.